STF e o futuro do Direito do Trabalho – A perda das garantias trabalhistas e o risco de uma sociedade mais desigual e injusta

Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem desempenhado um papel central na transformação do Direito do Trabalho no Brasil, com intervenções que, muitas vezes, sugerem um processo de erosão das garantias trabalhistas conquistadas ao longo de décadas de luta. O recente movimento jurídico, com o STF se posicionando sobre questões como a “pejotização”, levanta sérias dúvidas sobre o futuro da Justiça do Trabalho e da própria proteção do trabalhador no país.

É impossível ignorar que as decisões da Corte, muitas vezes, têm se pautado pelo argumento de modernização das relações de trabalho e pela chamada “livre iniciativa”, uma visão amplamente defendida por setores econômicos que veem nas transformações legislativas e jurisprudenciais uma forma de reduzir custos e flexibilizar os vínculos empregatícios. Porém, essa flexibilização tem um preço alto para milhões de trabalhadores brasileiros.

O processo é claro e progressivo. As alterações nas leis trabalhistas, incluindo a “reforma” de 2017, abriram espaço para que práticas como a “pejotização”, a terceirização irrestrita e a diminuição dos direitos dos trabalhadores ganhassem força. O STF, ao analisar casos como a contratação de pessoas jurídicas para atividades que deveriam ser desempenhadas por empregados, tem seguido uma linha que legitima essas práticas, considerando-as válidas. Ao fazer isso, a Corte tem ameaçado os alicerces da Justiça do Trabalho, uma instituição criada para proteger o trabalhador de uma relação, muitas vezes, assimétrica com o empregador.

Recentemente, o STF tem sido responsável por um movimento ainda mais arriscado, com a adoção de posicionamentos favoráveis à licitude da “pejotização”. Em um processo que tramita no STF desde 2025, o Ministro Gilmar Mendes, relator do caso, determinou a suspensão de todos os processos que tratam da “pejotização”, o que implica em uma pausa na atuação da Justiça do Trabalho em uma série de disputas envolvendo fraude nos contratos de trabalho. Este movimento é emblemático, pois sinaliza que a Corte pode estar caminhando para uma postura que validaria, de forma ampla, a ideia de que o trabalhador, ao aceitar a condição de pessoa jurídica, estaria renunciando aos direitos trabalhistas e à proteção da Justiça do Trabalho.

Porém, os impactos dessa postura podem ser devastadores para a classe trabalhadora. O fim da Justiça do Trabalho, somado à legalização da “pejotização” em grande escala, representaria a extinção de direitos fundamentais, como férias, 13º salário, descanso semanal remunerado e a própria seguridade social. Trabalhadores seriam forçados a aceitar condições de trabalho mais precárias, sem as proteções garantidas pela legislação vigente, sujeitando-se às leis de mercado em um cenário de desemprego estrutural e instabilidade econômica.

Além disso, a consequência dessa flexibilização não afetaria apenas o trabalhador individualmente. Com menores salários e a diminuição dos direitos, haveria uma queda no consumo e, por conseguinte, na arrecadação do Estado. A crise se expandiria, afetando a capacidade do governo de prover serviços essenciais, como saúde e educação, e prejudicando a seguridade social.

O verdadeiro risco, portanto, não reside apenas na perda dos direitos do trabalhador, mas na construção de uma sociedade mais desigual e injusta. O que está em jogo não é apenas o direito ao trabalho digno, mas o pacto social que garante uma mínima redistribuição de riquezas e uma certa estabilidade social. O fim da Justiça do Trabalho representaria a queda do último bastião de proteção do trabalhador contra a exploração indiscriminada e os abusos do capital.

Há, sem dúvida, uma tentativa por parte do STF de “modernizar” as relações de trabalho, mas é fundamental questionar: essa modernização é compatível com os princípios constitucionais do Brasil? A Constituição de 1988, ao estabelecer a dignidade da pessoa humana, a valorização do trabalho e os direitos sociais, não apenas garante o direito do trabalhador, mas sustenta um modelo de Estado que deve promover a justiça social e a equidade. Ao permitir que o Direito do Trabalho seja desmantelado sem uma avaliação profunda das consequências sociais e econômicas, o STF poderia estar comprometendo não só os direitos dos trabalhadores, mas a própria saúde social e econômica do Brasil.

É essencial que a sociedade, os parlamentares e os juristas se posicionem firmemente contra esse retrocesso, pois a decisão de enfraquecer o Direito do Trabalho e a Justiça do Trabalho pode ser irreversível. Não podemos permitir que a história seja reescrita de forma a colocar os interesses econômicos acima dos direitos humanos. O STF, ao que parece, está diante de uma escolha crucial: ser o catalisador de um avanço social ou o responsável por um retrocesso que será sentido por gerações.

A única certeza é que, ao lado do movimento da classe trabalhadora, a sociedade civil organizada tem a responsabilidade de barrar este avanço de uma agenda que visa enfraquecer a proteção dos mais vulneráveis. A luta, portanto, deve continuar com a mesma força e determinação que sempre caracterizou as grandes conquistas trabalhistas do Brasil.

O futuro do Direito do Trabalho, da Justiça do Trabalho e dos direitos dos trabalhadores no Brasil está em jogo, e cabe a nós, cidadãos e cidadãos, defender o que conquistamos com tanto sacrifício e luta.


*Lourival Figueiredo Melo é diretor-presidente da Feaac (Federação dos Empregados de Agentes Autônomos do Comércio de São Paulo) e secretário-geral da CNTC (Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio).

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